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Foto do escritorSuttile & Vaciski

Paralelos entre os efeitos dos Casos Diarra e Bosman

No fim da última semana, muito se repercutiu uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) que pode trazer mudanças significativas ao mercado do futebol. A decisão tratou de um caso envolvendo o ex-jogador Lassana Diarra, francês com passagens por grandes clubes europeus, como Arsenal, Chelsea, Real Madrid e PSG.

O atleta assinou um contrato de quatro anos com o Lokomotiv Moscou, da Rússia. Entretanto, ao fim do primeiro ano, o clube considerou que seu desempenho foi abaixo do esperado e tentou renegociar seu salário, propondo uma diminuição substancial na remuneração.


Diarra não aceitou a nova proposta e o clube entendeu seu vínculo como rescindido, alegando que teria abandonado os treinamentos após desentendimentos com o treinador da equipe e a referida negativa sobre a redução salarial.


O clube levou o assunto à Câmara de Resolução de Disputas (DRC) da FIFA, argumentando que o atleta havia violado as regras quando o contrato foi rescindido após o jogador decidir sair sem justa causa após um corte salarial. A FIFA decidiu pela suspensão de 15 meses do atleta, além do pagamento de uma indenização ao clube, já que entendeu não existir justa causa para a saída.


O atleta recorreu ao Tribunal Arbitral do Esporte (TAS), mas teve apenas o valor da multa reduzido, mantendo a razão ao Lokomotiv.


O jogador buscou retomar sua carreira e recebeu a abordagem de um clube belga, o Charleroi. Contudo, o clube foi aconselhado a não contratar o atleta para não precisar arcar com indenização e sofrer sanções como “transfer ban” (quando o clube é impedido de registrar novos atletas), tendo a FIFA se recusado a assinar o Certificado Internacional de Transferência (ITC), impedindo o registro de Diarra na Federação Belga.

O Charleroi se sentiu lesado e ajuizou nova queixa na justiça belga, assim como o atleta processou a FIFA. A decisão proferida pelo TJUE dá razão ao jogador, decidindo que as regras de transferência da FIFA atualmente vigentes são contrárias ao direito europeu, tanto por dificultarem a livre circulação de trabalhadores quanto por restringem a concorrência entre clubes.


Atualmente, o art. 17 do Regulamento sobre o Status e Transferência de Jogadores da FIFA prevê sanções a qualquer clube que induzir a quebra de contrato do atleta com outro clube, sendo sua responsabilidade presumida caso o atleta se transfira ao clube após rescindir com sua equipe de origem sem justa causa.


Sendo o futebol considerado uma atividade econômica como qualquer outra, a FIFA estaria sujeita a respeitar os direitos trabalhistas da União Europeia. Por enquanto, a FIFA não reagiu com preocupação aos acontecimentos, afirmando que seriam necessárias apenas pequenas alterações em seus regulamentos.


A decisão, indubitavelmente, repercutiu mundialmente e iniciou diversos debates sobre o futuro do futebol mundial. A maioria dos comentários, inclusive, compara a situação com o caso vivenciado por Jean-Marc Bosman.


Fazendo uma rápida contextualização, mister explicar que, até a década de 90, o atleta ainda era associado ao clube mesmo após o término do contrato. Ou seja, o clube, além de ter direito de renovação, poderia decidir o futuro do atleta, cerceando sua liberdade de transferência. Por isso, o Liège, clube belga, cobrou uma indenização de Bosman para liberá-lo mesmo após o fim do contrato.


Com o advento da “Lei Bosman”, os jogadores passaram a ter maior liberdade em suas relações de trabalho, podendo mudar de clube e país com maior facilidade. Nesse sentido, a decisão a favor de Diarra pode representar mais uma grande mudança em relação ao poder atribuído aos atletas nas relações contratuais.


Vale ressaltar que, mesmo a decisão se aplicando unicamente ao caso em que julgou, pode abrir precedente e desencadear diversas ações no mesmo sentido. A Lei Bosman, por exemplo, influenciou na abolição do “passe” no Brasil, o qual mantinha o atleta “preso” ao clube, assim como foi precursora na mudança das normas de transferências do futebol mundial.


Devido à jurisdição que possui sobre os países da União Europeia, o TJUE pode requerer a imposição vinculada do julgado aos demais conflitos análogos. Por não serem as regras da FIFA soberanas, a entidade pode se ver obrigada a alterar seus regulamentos ao ter suas normas invalidadas em seu principal mercado. O TJUE visa expor que a FIFA não tem qualquer legitimidade para regular o mercado de trabalho.


Uma análise crítica de decisão da TJUE permite o entendimento de que o atleta assume uma posição de força na relação contratual, não podendo ser impedido de sair do clube que está e continuar sua carreira. Da mesma forma, entende-se que o clube que contratar o atleta após a rescisão também não poderia ser prejudicado ao utilizá-lo.

Assim, o mercado de transferências pode sofrer grandes mudanças. Os clubes normalmente evitam contratações de atletas que deixam as equipes sem uma justa causa aparente, visto que poderiam ser condenados a também indenizar o clube de origem. Entretanto, o TJUE entende que não poderia ser essa responsabilidade solidária presumida, devendo o clube de origem apresentar provas de supostas situações de assédio ao atleta quando desejar exigir a indenização.


Importante ressaltar que, assim como o Caso Bosman, a decisão do processo de Diarra pode também resultar em efeitos negativos ao futebol, mais especificamente ao equilíbrio econômico entre as entidades esportivas. A Lei Bosman favoreceu os clubes mais tradicionais e poderosos, concedendo-lhes ainda mais poder para atrair os atletas, deixando seus clubes de origem ao final do contrato sem qualquer retorno financeiro. Tal acontecimento marca o início de uma grande diáspora de jogadores do futebol sul-americano e de outros mercados periféricos para a Europa.


Da mesma forma, a decisão do TJUE abre diversas possibilidades nas transferências, como o assédio de clubes com maior poder econômico para que atletas forcem uma rescisão de seus contratos. É claro que, tendo um jogador rescindido seu contrato sem justa causa, deverá arcar com as punições previstas, mas não há dúvidas de que existe um evidente risco à estabilidade dos contratos e pode representar uma perda econômica relevante a clubes formadores.


É de responsabilidade da FIFA encontrar uma forma de proteger, ao mesmo tempo, os direitos trabalhistas dos atletas, o equilíbrio econômico entre os clubes e a estabilidade contratual, evitando eventuais riscos à competitividade do esporte.


Em suma, é evidente que o Caso Diarra pode ter efeitos similares aos decorrentes do Caso Bosman. A decisão no caso Bosman conferiu aos atletas maior liberdade de movimentação entre clubes após o término de seus contratos, enquanto o julgamento recente envolvendo Diarra sugere uma nova ampliação dos direitos dos jogadores ao questionar as restrições impostas pela FIFA à livre transferência de atletas envolvidos em rescisões sem justa causa. Em ambos os casos, há um claro fortalecimento da posição dos jogadores nas negociações, o que, por outro lado, pode gerar desequilíbrios no mercado esportivo, favorecendo clubes economicamente mais poderosos e fragilizando os clubes formadores. Assim, é fundamental que a FIFA busque um ponto de equilíbrio, protegendo tanto os direitos dos jogadores quanto a integridade e competitividade do futebol mundial.

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